sexta-feira, 14 de março de 2014

Os primórdios da Tradução 1

AS TEORIAS LINGUÍSTICAS DA TRADUÇÃO.



Por  María del Mar Carreño Leyva

Referências:

JAKOBSON, Roman. Aspectos Linguísticos da Tradução. Linguística e Comunicação.
Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 2007, p. 63-72.
Editora Cultrix. São Paulo. 2011.

Resenha:


ASPECTOS LINGUÍSTICOS DA TRADUÇÃO.


Publicado en inglês em: R. A. Brower, org.: On Translation, Harvard University Press, 1959

Entre as obras de Jakobson destaca sobremaneira um ensaio, escrito em 1959, por sua importância no campo das reflexões gerais e fundamentais sobre os problemas da tradução. On Linguistic Aspects of Translation concentra em dez páginas aquilo que mais de cinquenta anos depois continua sendo um recurso de valor inestimável para quem investiga a natureza do processo da tradução.
É necessário advertir o leitor que não se confunda com o título do ensaio, particularmente com a palavra "linguística". Jakobson tem um amplo conceito de linguística que excede em muito os limites tradicionais desta disciplina.

O ensaio não trata da tradução como ação, mas da importância da tradução no campo semiótico e da tradução como conceito. Um dos primeiros e mais importantes critérios é o seguinte: “ninguém poderá compreender a palavra ‘queijo’ se não tiver um conhecimento não linguístico do queijo”. É uma frase de Bertrand Russell, que cita Jakobson. O que Russell afirma é que as palavras, como tais, não são capazes de transmitir significados que não tenham raízes em uma experiência direta e subjetiva do objeto do discurso. É uma afirmação controvertida para um tradutor, pois sua aceitação implicaria que para um sujeito não familiarizado com uma determinada cultura seria impossível assimilar palavras que se referem a conceitos ou objetos específicos dessa cultura e alheios à sua própria cultura. Jakobson contesta essa afirmação, argumentando que a solução seria explicar que "queijo" significa "alimento derivado da coalhada de leite”. Para um indivíduo pertencente a uma cultura na qual não existisse o queijo, só bastaria saber o que é "coalhada" para ter uma ideia do que pode significar "queijo". O processo de significação frequentemente atua assim. Jakobson obtém uma conclusão fundamental: “o significado de toda palavra ou frase é sempre um fato semiótico”. Não faz sentido, portanto, atribuir um significado (signatum) ao objeto em si nem ao signo (signum): ninguém nunca notou o cheiro ou gosto do significado de "queijo" ou "maçã". Só pode haver signatum se houver signum. O significado de uma palavra – se permanecermos no contexto verbal – não é nada, mas a sua tradução a outras palavras. Aqui percebemos a importância da tradução, em um sentido amplo, para comunicação em geral e a comunicação intercultural, em particular. Sem tradução é impossível conseguir que uma pessoa possa entender objetos que não fazem parte de sua cultura.  

De acordo com Jakobson, há três maneiras de interpretar um signo verbal:

 1)   A tradução intralingual ou reformulação, que é uma interpretação dos signos verbais por meio de outros signos da mesma língua.

2) A tradução interlingual ou tradução propriamente dita, que é a interpretação dos signos verbais por meio de outra língua.

3) A tradução intersemiótica ou transmutação, que é uma interpretação dos signos verbais por meio de sistemas de signos não verbais.

No exemplo com a palavra “queijo” estava-se tentando fazer uma tradução intralinguística, ou seja, explicar, por meio de paráfrase ou circunlóquio sem recorrer a outro idioma, o termo "queijo". Em outras palavras, pretendia-se encontrar termos que fossem quase sinônimos. "No entanto, a sinonímia, via de regra, não é uma equivalência", adverte Jakobson. Explicar o significado de uma expressão em outras palavras é sempre o resultado de uma interpretação, que pode variar de acordo com a pessoa que o faz. A partir deste fato, podemos também deduzir o leque de possíveis versões que oferece a tradução interlingual.

Jakobson contraria o pensamento dogmático de alguns tradutores de que não há possibilidade de tradução, afirmando que “qualquer signo pode ser traduzido num outro signo”. Na concepção do autor, toda experiência cognitiva pode ser traduzida e classificada em qualquer língua existente. Quando ocorre uma falha, é possível adaptar e ampliar a terminologia por meio de empréstimos, calcos, neologismos ou transferências semânticas ou circunlóquios. Assim, quanto mais rico for o contexto de uma mensagem, mais limitada será a perda de informação. Por tanto, as línguas diferem essencialmente naquilo que devem expressar e não naquilo que podem expressar. Jakobson salienta que a língua, em sua função cognitiva, depende muito pouco do sistema gramatical, porque a definição de nossa experiência está numa relação complementar com as operações metalinguísticas, ou seja, “o nível cognitivo da linguagem admite e exige a interpretação por meio de outros códigos, a recodifição, isto é, a tradução”.

Naturalmente, não existe um método universal, empírico e repetível para decidir quando tais deficiências se apresentam, se devemos intervir com a própria capacidade de mediação cultural (como tradutor, por exemplo) e de que forma, dentre os métodos que cita Jakobson. Em outras palavras, é impossível definir um único método para resolver o problema dos resíduos ou perda na tradução. Isto significa que a pesquisa linguística deve voltar-se para a tradução, seja intralinguística, interlinguística ou intersemiótica. Não é possível estudar a língua sem enfrentar sua interpretação, ou seja, suas "traduções" possíveis. Pode-se, então, afirmar que a linguística centra-se na semiótica e na tradução, no sentido mais amplo.


Assim, Jackobson propõe uma revolução conceitual comparável à transição do sistema ptolemaico ao copernicano. Os estudos de tradução, vistos assim, deixaram de ser um campo marginal da linguística para tornar-se o sol em torno do qual orbita a ciência da linguagem.




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