terça-feira, 28 de junho de 2016

Fim de semestre

Neste primeiro semestre de 2016, tive a oportunidade de cursar a matéria ‘Poéticas da Tradução nas Literaturas Modernas e Contemporâneas: da semiótica da cultura à poética da tradução’, ministrada pela professora Dra. Anna Palma na Universidade Federal de Minas Gerais. Como o nome já diz, a trajetória teve início com a semiótica, sobre que lemos Toury, Lotman, Ivan-Zohar e Peirce, e passou para a tradução, com leituras de Benjamin, Derrida, Schleiermacher, Lefevere e culminando com Meschonnic e Berman.
Estes dois últimos autores foram bastante levados em consideração com relação ao trabalho do tradutor em relação à poética do texto. Como desafio, então, decidimos fazer uma tradução em conjunto de um conto de Julio Cortázar, “Continuidad de los parques”. A escolha do idioma de origem se deu pela presença de uma colega colombiana, ou seja, nativa da língua espanhola, que fez uma leitura do texto para a turma para que todos pudessem sentir o ritmo. Passamos para uma leitura mais atenta, em que pausávamos e debatíamos palavras e significâncias. Segue o resultado:

Continuidad de los parques, de Julio Cortázar [publicado por primera vez en la segunda edición del libro Final del juego (1964)]

    Había empezado a leer la novela unos días antes. La abandonó por negocios urgentes, volvió a abrirla cuando regresaba en tren a la finca; se dejaba interesar lentamente por la trama, por el dibujo de los personajes. Esa tarde, después de escribir una carta a su apoderado y discutir con el mayordomo una cuestión de aparcerías, volvió al libro en la tranquilidad del estudio que miraba hacia el parque de los robles. Arrellanado en su sillón favorito, de espaldas a la puerta que lo hubiera molestado como una irritante posibilidad de intrusiones, dejó que su mano izquierda acariciara una y otra vez el terciopelo verde y se puso a leer los últimos capítulos. Su memoria retenía sin esfuerzo los nombres y las imágenes de los protagonistas; la ilusión novelesca lo ganó casi en seguida. Gozaba del placer casi perverso de irse desgajando línea a línea de lo que lo rodeaba, y sentir a la vez que su cabeza descansaba cómodamente en el terciopelo del alto respaldo, que los cigarrillos seguían al alcance de la mano, que más allá de los ventanales danzaba el aire del atardecer bajo los robles. Palabra a palabra, absorbido por la sórdida disyuntiva de los héroes, dejándose ir hacia las imágenes que se concertaban y adquirían color y movimiento, fue testigo del último encuentro en la cabaña del monte. Primero entraba la mujer, recelosa; ahora llegaba el amante, lastimada la cara por el chicotazo de una rama. Admirablemente restañaba ella la sangre con sus besos, pero él rechazaba las caricias, no había venido para repetir las ceremonias de una pasión secreta, protegida por un mundo de hojas secas y senderos furtivos. El puñal se entibiaba contra su pecho, y debajo latía la libertad agazapada. Un diálogo anhelante corría por las páginas como un arroyo de serpientes, y se sentía que todo estaba decidido desde siempre. Hasta esas caricias que enredaban el cuerpo del amante como queriendo retenerlo y disuadirlo, dibujaban abominablemente la figura de otro cuerpo que era necesario destruir. Nada había sido olvidado: coartadas, azares, posibles errores. A partir de esa hora cada instante tenía su empleo minuciosamente atribuido. El doble repaso despiadado se interrumpía apenas para que una mano acariciara una mejilla. Empezaba a anochecer.
    
    Sin mirarse ya, atados rígidamente a la tarea que los esperaba, se separaron en la puerta de la cabaña. Ella debía seguir por la senda que iba al norte. Desde la senda opuesta él se volvió un instante para verla correr con el pelo suelto. Corrió a su vez, parapetándose en los árboles y los setos, hasta distinguir en la bruma malva del crepúsculo la alameda que llevaba a la casa. Los perros no debían ladrar, y no ladraron. El mayordomo no estaría a esa hora, y no estaba. Subió los tres peldaños del porche y entró. Desde la sangre galopando en sus oídos le llegaban las palabras de la mujer: primero una sala azul, después una galería, una escalera alfombrada. En lo alto, dos puertas. Nadie en la primera habitación, nadie en la segunda. La puerta del salón, y entonces el puñal en la mano, la luz de los ventanales, el alto respaldo de un sillón de terciopelo verde, la cabeza del hombre en el sillón leyendo una novela

 Continuidade dos parques, de Julio Cortázar [publicado pela primeira vez na segunda edição do livro Final del juego (1964)]

       Havia começado a ler a novela uns dias antes. Abandonou-a por negócios urgentes, voltou a abri-la quando regressava de trem ao campo; se deixava interessar lentamente pela trama, pelo desenho dos personagens. Essa tarde, depois de escrever uma carta ao seu procurador e discutir com o capataz uma questão de parceria, voltou ao livro na tranquilidade do escritório que dava para o parque de carvalhos. Acomodado em sua poltrona favorita, de costas para a porta que poderia perturbá-lo como uma irritante possibilidade de intrusões, deixou que sua mão esquerda acariciasse uma ou outra vez o veludo verde e se pôs a ler os últimos capítulos. Sua memória retinha sem esforço os nomes e as imagens dos protagonistas; a ilusão novelesca o ganhou quase em seguida. Gozava do prazer quase perverso de ir se desgarrando linha a linha do que o rodeava, e sentir a cada vez que sua cabeça descansava comodamente no veludo do alto encosto, que os cigarros seguiam ao alcance das mãos, que mais além das vidraças dançava o ar do entardecer sob os carvalhos. Palavra por palavra, absorvido pela sórdida disjuntiva dos heróis, deixando-se ir até às imagens que se concertavam e adquiriam cor e movimento, foi testemunha do último encontro na cabana do monte. Primeiro entrava a mulher, receosa; agora chegava o amante, com a cara marcada pelo chicotear de um galho. Admiravelmente estancava ela o sangue com seus beijos, mas ele rechaçava as carícias, não havia vindo para repetir as cerimônias de uma paixão secreta, protegida por um mundo de folhas secas e caminhos furtivos. O punhal se aquecia contra seu peito, e debaixo latejava a liberdade velada. Um diálogo anelante corria pelas páginas como um arroio de serpentes, e se sentia que tudo estava decidido desde sempre. Mesmo essas carícias que enredavam o corpo do amante, como se querendo retê-lo e dissuadi-lo, desenhavam abominavelmente a figura do outro corpo que era necessário destruir. Nada havia sido esquecido: desculpas, azares, possíveis erros. A partir dessa hora, cada instante tinha seu emprego minuciosamente atribuído. O duplo repasso impiedoso se interrompia apenas para que uma mão acariciasse uma face. Começava a anoitecer.

    Sem mirar-se já, atados rigidamente na tarefa que os esperava, se separaram na porta da cabana. Ela devia seguir pela senda que ia ao norte. Da senda oposta ele se voltou um instante para vê-la correr com os cabelos soltos. Correu por sua vez, refugiando-se nas árvores e moitas, até distinguir na bruma malva do crepúsculo a alameda que levava até a casa. Os cães não deveriam latir, e não latiram. O capataz não estaria a essa hora, e não estava. Subiu os três degraus do pórtico e entrou. Do sangue galopando em seus ouvidos lhe chegavam as palavras da mulher: primeiro uma sala azul, depois uma galeria, uma escada atapetada. Do alto, duas portas. Ninguém no primeiro quarto, ninguém no segundo. A porta do salão e, então, o punhal em mão, a luz das vidraças, o alto encosto de uma poltrona de veludo verde, a cabeça do homem na poltrona lendo uma novela.

                                                                   Fim


Participaram desta tradução Anna Palma, Diogo Rufatto, Alexandre Magalhães, Rafael Silva, Ayda Blanco Estupiñán, Allan Casteluber, Jéssica Tamietti, Ênio Lacerda e André Meyerewicz.

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